domingo, 6 de fevereiro de 2011

A arqueologia da cerâmica espanhola



Logo após a descoberta do continente americano, a Espanha Imperial viu-se na obrigação de exportar para o Novo Mundo grande parte dos alimentos e confortos a que os colonizadores ibéricos estavam acostumados a consumir no seu território natal.

Um dos grandes pilares desse esforço foi a indústria de olaria que floresceu no sul de Espanha, em torno dos grandes portos de Sevilha e de Cádiz, de onde partiam as armadas para as Indias de Castela. Essa industria produziu toda uma classe de contentores, hoje em dia chamados anforetas ou jarras de azeitonas, ou no espanhol original, botijuela, botijas peruleras ou jarra de aceite.

Estes recipientes de barro, herdeiros de uma tradição oleira do Mediterrâneo, com origem na Antiguidade Clássica, tinham formas indicadas para a estiva e transporte em águas agitadas. Essas formas permitiam igualmente maximizar a integridade estrutural do contentor, enquanto que a pequena abertura que possuíam permitia um fecho mais fácil com um mínimo de câmara de ar no interior.

Mil e um usos

As jarras de azeitonas eram produtos utilitários, facto bem evidenciado pela deficiente qualidade de fabrico. Bolhas de ar na pasta, gargalos defeituosos ou corpos assimétricos não eram relevantes para a qualidade de fabrico, já que o que mais importava era que a jarra fosse estanque o suficiente para poder transportar líquidos tão variados como óleo lubrificante, óleo para a iluminação, vinho, vinagre, mel ou água.

Materiais sólidos eram também transportados nas jarras, nomeadamente azeitonas, lentilhas, gordura, projécteis de chumbo ou alcatrão. Para que mais facilmente fossem protegidas na viagem, as jarras eram envolvidas numa armação de palha, herdeira da tradição italiana de forrar os recipientes de barro em material fibroso, tradição que ainda hoje se mantém para as garrafas de Chianti.

As jarras eram fabricadas em torno de oleiro, sendo submetidas posteriormente a cozedura em forno.
Logo no inicio do século XVI, no sentido de se poder aproveitar ao máximo os espaços livres dos porrões do navios, as jarras perderam as asas incómodas e frágeis que as caracterizavam até então, passando a exibir um gargalo menos comprido, mais estreito e grosso. Este gargalo constituiu então um ponto seguro para atar um arame de cobre que veio fixar a rolha de cortiça ao corpo da jarra.

Tipologia das jarras

Segundo Mitchell Marken, as jarras espanholas dividem-se. de acordo com as suas formas e volumetria, em três tipos básicos: tipo A ou botijas peruleras, tipo B ou botija de media arroba e tipo C, botijas conicas.

No século XVI, as jarras do tipo A tinham um volume de cerca 16 litros e eram geralmente constituídas por barro normal, ao contrário do que acontecia no século XVII, em que o seu interior era geralmente vidrado - assistiu-se, ainda neste século, a um estreitamento das jarras e ao uso de alcatrão e rolhas de cortiça como método de selagem das jarras.

Típicas da primeira metade do século XVII são também as jarras de fundo chato e as incisões ou marcas de proprietários nos gargalos, que foram encontradas apenas em naufrágios ocorridos nesse período como, por exemplo, nos naufrágios do San Antonio (1621), do Nuestra Señora de Atocha (1622) e do Nuestra Señora de la Concepción (1641).

No século XVIII, as jarras do tipo A são mais largas do que as suas antecessoras, enquanto que o barro usado na sua fabricação é de melhor qualidade, daí resultando uma pasta de características mais homogéneas. Nenhuma das jarras recuperadas em naufrágios desta época apresenta quaisquer sinais ou marcas no gargalo.

As jarras do tipo B, de forma globular e com uma capacidade de 6,67 litros (meia arroba castelhana de azeite), quase que não apresentam diferenças entre si, de século para século. Como característica mais marcante, pode-se observar que as jarras do século XVII não apresentam qualquer vidrado, à semelhança, aliás, do que acontecia com as jarras do tipo A.

Finalmente, as jarras do tipo C possuíam uma volumetria de cerca de 2,18 litros e eram caracterizadas por possuírem a base cónica. Eram utilizadas principalmente para o transporte de mel, podendo também, servir como tochas de iluminação.

As jarras como instrumento de datação

Quando o arqueólogo subaquático se vê perante um naufrágio não identificado e sem data definida, como aconteceu no caso de Angra D (Terceira, Açores), o único recurso disponível para se saber o período cronológico a que pertencem os destroços é a análise dos métodos de construção, fiáveis até ao século, e o exame dos artefactos que possam estar em contexto com o navio afundado.

No caso das cerâmicas espanholas encontradas em Angra D, estas permitem-nos supor que este navio, de tradição ibero-atlântica, se terá perdido algures no primeiro lustro do século XVII, já que parte dos gargalos recuperados possui marcas de proprietário, neste caso da foto, as da Companhia de Jesus (IHS). Esta data é consistente também com a porcelana Ming encontrada no mesmo naufrágio, bem como, num sentido mais lato, com a arquitectura naval, que apresenta características de construção que só terão aparecido posteriormente a 1613. Mas isso são contas de outro rosário.

publicado por Alexandre Monteiro

Sem comentários:

Enviar um comentário