sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Os naufrágios da Baía de Angra

O século XVI

Segundo a Relação das Naos da Índia pertencente à British Library, Códice Add. 20902, o naufrágio mais antigo documentado na baía deAngra é o da nau cognominada Grifo, capitaneada por Baltazar Jorge e dada por perdida em 1542. A mesma relação aponta a perda, em 1555, da nau Assumpção, comandada por Jácome de Melo, que também deu à costa.

No mesmo ano de 1555, perde-se no regresso das Índias a nau alcunhada de Algarvia Velha, a crer nas palavras de Faria de Sousa, escritas na sua Ásia Portuguesa. A saga dos naufrágios da Carreira das Índias continua, segundo os Anais do Clube Militar Naval, com a perda simultânea, a 6 de Agosto de 1556, das naus Nossa Senhora da Vitória e Nossa Senhora da Assunção.

Em 1560 surge o primeiro naufrágio de uma nau espanhola, da qual o historiador naval espanhol oitocentista, Fernandez Duro, não guardou o nome. Vinte e três anos depois, a 21 de Outubro de 1583, os três patachos confiscados pelos espanhóis à armada do Prior do Crato acabam os seus dias sob o jugo do vento Carpinteiro no areal da Baía de Angra. Os espanhóis continuam na sua maré de azar com o naufrágio, a 17 de Setembro de 1586, da nau Santa Maria, provinda de S. Domingo, que acabou por dar de través no baixio à saida de Angra. No dia a seguir e devido a tormenta ocorrem outros três naufrágios espanhóis, nomeadamente o de uma nau capitânia de 30 canhões de bronze, que sossobrou quando ancorada e o da nau Nuestra Señora de la Concepción, da qual se recuperou, posteriormente, parte da carga, segundo o que se afirma no Legayo 5108 do Arquivo General de las Indias.

Novamente a Relação das Naos da Índia, da British Library, nos confirma um outro sinistro sucedido, em 1587, com o galeão português Santiago, que capitaneado por Francisco Lobato Faria e provindo de Malaca, acabou por se perder na amarra, salvando-se a gente e a fazenda. Também no ano de 1587 naufragou uma nau espanhola provinda do Novo Mundo, tendo-se resgatado a carga de ouro e prata num valor total de 56 000 escudos. Um ano depois, em Agosto de 1588, dá à costa a nau São Tiago Maior, da Armada de 1586.

Com a perda, a 4 de Agosto de 1589, do galeão São Giraldo, provindo de Malaca e sossobrado dentro das fortalezas, inícia-se o período Linschoten. É ele também que, vítima de naufrágio, nos relata na sua Histoire de la Navigation o afundamento , a 20 de Outubro do mesmo ano, da nau espanholaNuestra Señora de Guia, posta a pique por corsários até ao topo do mastro real, com 200 000 ducados em ouro, prata e pérolas a bordo. Relata também o naufrágio à entrada de Angra da nau espanholaTrinidad, vinda do México, um acontecimento descrito também pelo Abbé Prévost, na sua Histoire des Voyages. Em 1590 ocorrem outros três afundamentos com naus espanholas, naufragando nomeadamente uma embarcação da Armada da Biscaia, em Janeiro, nos rochedos à entrada de Angra.

O século XVII

Em 1605 chega a vez da nau do Capitão Manuel Barreto Rolim se perder nos mesmos rochedos à entrada de Angra. No ano seguinte, a Carreira da Índia faz mais uma contribuição para a história trágico-marítima açoriana com a perda da nau São Jacinto, provinda de Goa.

Trinta e seis anos depois, no auge da guerra da Restauração, os espanhóis socorrem-se dos víveres embarcados a bordo de uma pequena embarcação fundeada na baía de Angra. Esta acaba por ser desviada pelos sitiados para junto das muralhas da fortaleza de São Filipe. O temporal que posteriormente sobreveio acabou por, juntamente com estragos a ela infligidos pela artilharia portuguesa, a fazer sossobrar junto da encosta do Monte Brasil.

Segundo Drummond e os seus Anais da Ilha Terceira, naufraga a 12 de Fevereiro de 1649, uma frota 4 navios provindos do Brasil. Um ano depois perde-se também a nau Santo António, vinda de São Cristóvão, salvando-se toda a mercadoria. Em 1663, o desastre sucedido com uma frota de 11 navios provindos do Brasil em, que sob a tormenta nem um escapou, provoca a interdição real da arribada a Angra o que leva ao declínio económico da ilha, que se vê assim afastada dos circuitos de comércio atlântico em detrimento de ancoradouros mais seguros como, por exemplo, o porto da Horta.

Em 1674, segundo o arquivo dos Affaires Etrangères, perde-se uma embarcação holandesa de 50 canhões, também nos baixios de Angra. A 26 de Março 1690, naufraga sobre a amarra uma nau destinada a Cabo Verde, carregada com sinos e cal destinados à construção de uma igreja. Sete anos depois perde-se mais uma frota, desta vez de quatro navios carregados de trigo. Finalmente, um ano depois, sucede aquele que é o último naufrágio documentado do século XVII, o do navio francês St. François, que ocorre em Junho de 1698, que dá o mote para o início do século dos naufrágios franceses.

O século XVIII

A 10 de Dezembro de 1702, a fragata francesa Fla Orbanne, naufraga nos baixios de Angra. Este acontecimento, registado nos Affaires Etrangères, B1.652, Fº 64, deixou também algumas informações nos livros de óbitos da freguesia da Sé, aquando da inumação dos náufragos dados à costa da cidade.

Também em Dezembro, mas de 1721, mais um navio francês, o Le Elisabeth, dá a sua contribuição para os cemitérios da ilha. Finalmente, o mesmo volta a suceder com o naufrágio, em 1750, da fragata francesa Andromade, provinda de São Domingo. É de notar que, durante este século, o número de naufrágios históricamente documentados sofre uma redução drástica o que estará ligado, sem dúvida, à redução também ela drástica do número de escalas na ilha Terceira.

O século XIX

A 4 de Dezembro de 1811, naufraga no porto da cidade toda uma frota de sete navios. No Arquivo Geral da Marinha, encontramos referências aos naufrágios, a 18 de Fevereiro de 1832, do Iate Nercoe, em 1841 da escuna D. Clara. Também nesse ano, uma tempestade ocorrida a 10 de Março, faz encalhar duas escunas inglesas, a Mirthe no areal do Porto Novo e a Louise na Prainha.


Curiosamente, exactamente quatro anos depois, uma outra tempestade a 10 de Março faz encalhar outra escuna inglesa, a Belle of Plymouth, no areal do Porto Novo. A 1 de Março de 1856 a galera inglesa Europe, encalha na Prainha. Numa outra tempestade, ocorrida a 19 de Janeiro de 1858, naufragam a escuna Palmira e o patacho Desengano. Quatro dias depois, já na fase final da fúria dos elementos, sossobra também a escuna inglesa Daring.

A 25 e a 26 de Janeiro de 1861, os barcos da laranja continuam a vergar-se à maldição da baía de Angra. Naufragam, de uma só assentada, a escuna Gipsy, encalhada na Prainha, o patachoMicaelense, de 111 toneladas, o patacho Adolin Sprague, de 211 toneladas, a chalupa inglesa Water Witch, de 49 toneladas, a escuna inglesa Wave Queene, de 75 toneladas e o lugre Destro Açoriano, de 224 toneladas. Dois anos depois,
dava à costa a escuna Breeze, a 18 de Fevereiro. Em 1864, ocorriam dois naufrágios com embarcações inglesas, a escuna Gurden Rebow, que dava também à costa e o brigue Washington a quem, a 12 de Outubro, sucedia o mesmo. Em 1865, eis que surgia o primeiro navio a vapor a conhecer os fundos da baía, o inglês Runher, que encalhava no cais da cidade.

A 11 de Fevereiro de 1867 dava à costa a galera inglesa Ferozepore. A 4 de Agosto de 1872, surgia o primeiro navio alemão, o patacho Telegraph. A 16 de Fevereiro de 1878, o primeiro brasileiro, o vaporLidador, encalhado no cais da Figueirinha. Devido à acção de mais um ciclone, dava à costa em 1893, a embarcação Segredo dos Açores. Três anos depois, o vento Carpinteiro voltava a fazer das suas. A 13 de Outubro, naufragavam o patacho Fernão de Magalhães, de 180 toneladas, o lugre Príncipe da Beira, de 275 toneladas e o lugre Costa Pereira, de 196 toneladas.

Já no século XX, surgem apenas os relatos dos naufrágios do iate Rio Lima no baixio do Portinho Novo, a 30 de Setembro de 1906 e do Lugre Maria Manuela, a 28 de Abril de 1921, na ponta do Castelinho.


Alexandre Monteiro
Arqueólogo Subaquático

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