quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Mundo subaquático nos Açores: riquezas que estão por descobrir

Diário dos Açores
Escrito por Marco Henriques
Segunda, 09 Agosto 2010 10:20


Há quem já tenha feito os impossíveis para explorar o mar, ou o fundo do mar, dos Açores, há quem retire o proveito das expedições arqueólogas que procuram e já registaram relíquias nas profundezas do Atlântico e ainda estamos perante os defensores da protecção das águas que nos circundam. Mas há também os que justificam a implantação de obra, como o Cais de Cruzeiros de Angra do Heroísmo, colocando à margem a catalogação e o património que lá se encontra, ou por outras palavras, que os entendidos “mostram” que existe.
Na Terceira, assumindo que os factores naturais se mantêm mais ou menos constantes [desde que se iniciou o povoamento da ilha], ao longo dos séculos, podemos partir do princípio que desde meados do século XV se têm afundado regularmente navios na baía de Angra. A nau cognominada “Grifo”, capitaneada por Baltazar Jorge e dada por perdida em 1542, é a estrutura física que regista o naufrágio mais antigo documentado na baía de Angra do Heroísmo. Assumpção, Algarvia Velha, Nossa Senhora da Vitória e Nossa Senhora da Assunção, Carpinteiro, Santa Maria, Nuestra Señora de la Concepción são nomes de naus que no século XVI afundaram na baía de Angra do Heroísmo e destas muitos objectos de colecção se retiraram e se puseram sob exposição.
Anos e séculos se foram passando, outros locais, barcos e preciosidades se foram encontrando pelas baías açorianas. A Vila da Praia da Vitória, a Calheta em São Jorge, os escassos naufrágios em Santa Maria, as embarcações que ficaram entre os milhas que separam São Miguel das ilhas do Grupo Central ou os barcos que afundaram no território mais Ocidental da Europa (Corvo e Flores) de diversas nacionalidades ou bandeiras deram lugar a história do fundo do Oceano Atlântico.


As lendas e as incertezas…que mostraram o valor do nosso mar

Durante séculos falou-se de uma misteriosa estátua de um cavaleiro apontando para Oeste, como prova da presença de antigos e ignorados navegadores que tinham deixado esse memorial na ilha do Corvo. Com ou sem estátua, em 1749 foram encontradas várias moedas alegadamente fenícias ou cartaginesas na Ilha do Corvo, para rejubilo dos defensores da tese da existência da Estátua Equestre. É consensual que não há razões para duvidar da veracidade deste achado, nem da autenticidade dessas moedas de ouro e cobre. Os demais investigadores e defensores de diversas teses não podem fugir a um ponto essencial: foi pela navegação, pelo naufrágio nos mares açorianos, nos mares mais ocidentais que este achado se projectou minucioso e muito prestigioso.


E a caça ao tesouro? Nos Açores NÃO!

Nikolaus Sandizell e a caça aos tesouros na década de 1990. Pode ser um nome que muitos não se recordam, mas pode ser também graças às leis que se fizeram impor em Portugal que não é agora reconhecido. Nikolaus é, ou pelo menos era, um caçador de tesouros que também pelos Açores andou interessado. Os Açores são a primeira paragem dos arqueonautas. Baluarte e sentinela avançada dos impérios ibéricos, o arquipélago foi durante séculos um ponto nevrálgico nas rotas do Oriente e das Américas e palco para muitos naufrágios. Com uma lei que daria livre arbítrio para este tipo de exploradores (financiados pelos mais altos entusiastas e magnatas apreciadores desta arte) os contornos de um santuário vincam-se. O arquipélago torna-se (ou tornar-se-ia) o Eldorado para Nikolaus e para todos os que procuram tesouros afundados. Três arqueólogos marítimos (Alexandre Monteiro, Filipe Castro e Francisco Alves) fizeram de tudo para impedir a ida da empresa de Nikolaus para os Açores. Felizmente aparentemente a equipa de mergulho de Nikolaus era constituída por alguns caçadores de tesouros que tinha no seu currículo algumas histórias mal contadas. O caçador (principal) é confrontado pelas páginas da imprensa nacional que aproveitam estes factos para “abrir os olhos” aos legisladores portugueses e em 1995 a lei que permite este tipo de exploração do mundo subaquático é congelada e em 1997 revogada. Foi o adeus de Nikolaus, que deixou os Açores rumo a águas mais “pacificas”, provavelmente para bem dos tesouros perdidos nos mares do arquipélago.


E os “tesouros” da Baía de Angra do Heroísmo vão ser substituídos por um Cais de Cruzeiros?

Já em 2010 quase todos os títulos da imprensa regional dão nota e reforçam a opinião dos entendidos. O presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses, AAP, defende a necessidade de “chamar à razão” o Governo Regional dos Açores relativamente à construção do Cais de Cruzeiros na Baía de Angra do Heroísmo, com sítios de interesse arqueológico. Ainda esta semana, tal como foram sucessivos as missivas e criticas a esta construção, põe-se em causa os estudos que nunca foram feitos ou pelo menos nunca foram divulgados.
Ao longo dos últimos meses refere-se aquilo que está documentado. Na Baía de Angra estão sinalizados vestígios de cerca de 90 naufrágios históricos, tendo sido já identificados cerca de duas dezenas de sítios com interesse arqueológico, dos quais dois são parques arqueológicos abertos ao turismo subaquático desde 2006.
Um dos “tesouros mais referenciados é o vapor “Lidador”, um navio brasileiro de transporte de passageiros e mercadorias que afundou em 1878 e se encontra a sete metros de profundidade, a 10 metros da costa.
O “Lidador” foi movido do local original onde foi encontrado para uma nova localização dentro da baía para permitir a construção do Porto de Recreio de Angra do Heroísmo.
Não fossem todos estes exemplos reconhecidos de importância do Património Arqueológico Subaquático, o Governo Regional dos Açores classificou a baía de Angra do Heroísmo como Parque Arqueológico Subaquático.
O arqueólogo subaquático Paulo Monteiro apresentou uma denúncia junto da delegação portuguesa na Unesco e do Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR). “Toda a baía está classificada como reserva arqueológica subaquática”, defendeu Paulo Monteiro, em declarações à Lusa no mês de Janeiro. O arqueólogo recordou que a Baía de Angra do Heroísmo foi um porto de escala de naus e caravelas na época dos Descobrimentos Portugueses, considerando ser “uma zona que não permite obras de construção, por serem ilegais à luz da legislação que o governo regional fez aprovar”. De 1522 a 1996 foram assinalados centenas de naufrágios no mar dos Açores.


Até os barcos “da altura dos fenícios” continuam a passar por cá…

Há poucos dias o “Phoenicia”, uma réplica de uma embarcação fenícia construída 600 anos Antes de Cristo, largou do Porto da Horta, no Faial, Açores, rumo a Gribraltar, onde vai terminar uma viagem de circum-navegação ao continente africano.
A escala no Faial, onde esteve atracada nos últimos dias, foi a segunda efectuada pela embarcação, depois de anteriormente ter sido forçada a uma paragem na ilha das Flores devido ao mau tempo que apanhou na viagem entre a África do Sul e os Açores.
O barco, construído na Síria, está a ser utilizado numa expedição arqueológica que pretende comprovar que os fenícios, considerados os maiores navegadores da antiguidade, já tinham habilidade para circum-navegar o continente africano alguns séculos Antes de Cristo. Uma ideia muito mais proveitosa para explorar e conhecer um pouco melhor os “tesouros” que, nas milhas náuticas que se perdem de vista pelas costas e baías açorianas, certamente continuam a possuir e estão seguramente muitos outros por descobrir.


A lei, os números, os “tesouros” e o potencial. Existem? Sim mas como aproveitar tudo isto?

A protecção mundial do património da humanidade está escrita e estabelece as regras que ditam e limitam de certa a forma a caça ao tesouro, mas mesmo assim e com as diversas áreas classificadas pelos organismos regionais e mundiais continua-se a por em causa todo este potencial? O mundo arqueológico, o número e as características das embarcações que durante 5 séculos povoaram o fundo das águas açorianas com prata, ouro, moedas, porcelanas, madeiras, artilharia, objectos pessoais, entre muitos e muitos outros “tesouros” encontram-se e por aí “planeiam” ficar, enterrados na legislação que salvaguardam os ataques dos piratas contemporâneos, mas que não valorizam ou não potencializam o esforço dos que contribuem para o enriquecimento museológico de uma região que dá a um país mais área territorial em mar que toda a terra que o delimita. Como vai ser daqui por diante ninguém sabe, mas a menos que um novo Nikolaus se apodere das águas do arquipélago tudo aparenta ficar como o mar de Verão, calmo ou estagnado sem a pressão da profundidade, apenas com os que in loco sabem e entendem o património existente. Sublinhe-se que o Governo Regional dos Açores classificou a baía de Angra do Heroísmo como Parque Arqueológico Subaquático… e que entretanto um Cais de Cruzeiros a qualquer momento pode emergir sob os possíveis tesouros “escondidos” na sua baía.

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