quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Os vestígios de armamento de Angra D








Recuperou-se, de dentro do poço da bomba deste naufrágio, um projéctil de artilharia em pedra, em tudo semelhante aos recuperados no naufrágio de Emanuel Point, de Padre Island e de St Johns, bem como, na mesma localização, 5 projécteis em ferro. A localização destes artefactos junto à carlinga do mastro principal sugere que o armazém de artilharia estaria localizado nas proximidades o que está de acordo com as fontes escritas que sugerem a existência "al pie del árbol mayor da caja de balas que se haze para este efeto en aquel puesto".

Neste local foram, com efeito, recuperados a maior parte dos 121 projécteis esféricos em chumbo registados em Angra D, utilizados certamente nas armas anti-pessoal transportadas a bordo.


A evolução das armas de fogo

A introdução da pólvora na Europa na primeira metade do século XIII rapidamente se fez acompanhar da sua utilização para fins bélicos. Dispositivos que utilizavam as propriedades propelentes e explosivas do novo composto são mencionados pela primeira vez num manuscrito datado de 1326, em que se descreve um canhão em forma de vaso capaz de disparar um projéctil de ferro em forma de seta.

Os canhões foram usados em primeiro lugar pelos Ingleses nas batalhas de Crécy (1346), de Poitiers (1356) e de Agincourt (1415). A sua evolução no sentido da miniaturização deu origem a armas cada vez mais pequenas, capazes de serem transportadas e utilizadas por um só homem, assumindo de início a forma de um tubo de ferro ou de bronze, com 20 ou 40 cm de comprimento, preso a um suporte de madeira. A detonação da carga explosiva no seu interior dava-se pela inflamação da pólvora contida num câmara através do contacto de um ferro em brasa através do ouvido da arma.

Os Alemães foram os primeiros a desenvolver um mecanismo mais sofisticado de ignição quando, no século XIV, inventaram os primeiros meios mecânicos de disparo através do uso de uma mecha presa num fecho giratório. Este dispositivo de roda de mecha e accionado pela aplicação de pressão num mecanismo de disparo foi descrito pela primeira vez num manuscrito datado de 1411.

O arcabuz surgiu em finais do século XIV a partir de um simples tubo de ferro dotado de um orifício na parte posterior – o ouvido – por onde comunicava o fogo à carga. Apoiava-se este tubo num suporte de madeira cuja extremidade posterior o atirador colocava debaixo do braço. É desta arma que surgirá a espingarda actualmente generalizada. Em 1423, ao arcabuz é adaptado uma pequena haste de ferro recurvada, ligada à coronha por uma alavanca e que permite disparar a arma com mais rapidez e precisão, constituindo assim uma mola e um gatilho primitivos. Num aperfeiçoamento deste dispositivo, surgem os fechos de serpentina, que se generalizam entre os anos de 1510 e 1520.

No ano de 1521, a infantaria espanhola adopta uma nova arma, o mosquete, semelhante ao arcabuz, mas mais comprido e de maior peso que este, utilizando depois o invento de um relojoeiro de Nuremberga de 1571, substituindo o fecho de serpentina pelo fecho de roda, suprimindo-se assim o morrão.

O fecho de roda era composto pelo cão, uma peça portadora de um pedaço de pirite que assentava sobre um tambor metálico, serrilhado, dotado de uma mola de relógio, susceptível de movimento de rotação. No momento do disparo fazia-se desprender este tambor que, girando, produzia chispas na pirite, o que provocava a deflagração da pólvora contida na caçoleta.

Mais tarde, por volta de 1600, surge em Itália um novo dispositivo que passa a substituir o fecho de roda e que consiste num cão, provido de um pedaço de pederneira, a que se imprime movimento de rotação. A pederneira, indo embater numa placa metálica, o fuzil, disposta obliquamente, produzia a faísca. Este sistema tinha a vantagem de, além de tornar mais rápidos os movimentos, ser a pólvora, contida na cassoleta, tapada pelo fuzil, o que evitava a entrada da chuva e a acção do vento. A cavalaria adoptou então uma versão mais curta do fuzil, a clavina.

O principal inconveniente do arcabuz e do mosquete, armas de alma lisa e de antecarga, residia na dificuldade da sua utilização com o tempo chuvoso, porquanto a sua precisão pouca influência tinha, visto os disparos se fazerem a curtas distâncias e em formações cerradas de duas ou três fileiras, em que a primeira ou primeiras se mantinham de joelhos e as restantes de pé, pelos intervalos. Assim, procurava-se abater numa só descarga a muralha humana na sua frente, com as armas na posição horizontal.


As armas de roda de mecha

A terminologia utilizada para a descrição de armas de fogo de roda de mecha é algo confusa, usando-se pelo menos três tipos de definições: arcabuzes, clavinas e mosquetes.

Todas as armas de mecha eram baseadas no mesmo princípio de disparo: uma mecha ou cabo de cânhamo, frouxamente trançado e embebido numa solução de salitre, que ardia a um ritmo de oito a dez polegadas à hora. A mecha, segura por uma serpentina, através de um fecho de metal ou pelo braço, ligava-se à barra do gatilho de modo a que uma pressão ascendente na barra do gatilho comprimia a serpentina disparando-se a mecha acesa para junto da pólvora que estava na caçoleta da arma e originando-se assim o processo de ignição. Depois do disparo, uma mola unida à placa de fecho forçava a serpentina a voltar à sua posição longe da caçoleta. Para maior segurança, a caçoleta era coberta por uma placa articulada que era puxada para trás pelo atirador imediatamente antes de dar fogo. O procedimento do carregamento era lento. A taxa do fogo era de dois tiros por um minuto, e requeria-se muita atenção com a colocação da mecha já que a uma chama acesa perto da pólvora de disparo era sempre um perigo constante

Enquanto que, no final do século XV, as armas de roda de mecha eram apenas um complemento aos besteiros, em 1550 a sua importância estratégica tinha suplantado o uso da besta como arma principal de guerra, quer nos campos de batalha europeus quer nos do Novo Mundo. A sua dominância manteve-se predominante até 1620 até que no último quartel do século XVI o uso da roda de mecha quase que desapareceu completamente.


Armas de fecho mecânico de roda

As armas de fecho de roda foram desenvolvidas por volta de 1520, mas a complexidade e custo inerentes ao seu fabrico impediram-nas de ser utilizados com frequência.

O fecho de roda era, no entanto, um sistema de ignição superior ao de mecha. Uma roda de aço áspera e afiada era enrolada com uma chave de corda, sendo depois libertada por uma pressão no gatilho. O disparo acontecia porque as bordas da roda golpeavam um fragmento de pirite que estava preso a um outro braço chamado cabeça do cão. A pirite, que formava a cabeça do cão, era colocada no alto da tampa da caçoleta. Esta abria-se automaticamente com o puxar do gatilho. A perda da chave tornava a arma inútil.


Armas de pederneira

A arma de pederneira foi desenvolvida na França do início do século XVII. O seu sistema de ignição provou ser de maior de confiança do que o de fechos de mecha ou de roda. Além disso, o seu sistema de disparo era menos complicado, mais seguro, e muito mais barato de produzir e manter. O seu princípio de funcionamento era o mesmo que se usava para se acender um fogo, através do choque de um pedaço de sílex com um bloco de aço.

Nos finais do século XVI; os tipos mais correntes de armas seriam os arcabuzes de roda de mecha ou de fecho de roda, de calibre entre 17.8 e 20.3 mm, os mosquetes, armas pesadas de 20.5 mm a 23 mm e as clavinas, armas de caça, de 15 a 17.5 mm de calibre.

Todas estas armas disparavam projécteis em chumbo, de que se recuperaram em Angra D 121 exemplares, tendo sido determinado o seu diâmetro médio através de três medições diferentes efectuadas em diferentes orientações da calote, sendo encontrada a sua média ponderada.



publicado por Alexandre Monteiro

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