terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Mercúrio em naufrágios




A descoberta de um balde de madeira - completo e com a sua alça em corda - no interior do naufrágio Angra D (baía de Angra, Açores) conduziu à recuperação de uma pequena quantidade de mercúrio. Mais tarde, aquando do desmembramento do navio, peça a peça, recuperou-se quase um litro do mesmo metal, de por entre as cavernas e o tabuado.

O mercúrio constitui o único mineral líquido à temperatura ambiente, apresentando-se na forma de pequenas bolas de cor branca de estanho sobre o cinábrio, o mineral que mais comummente contém este elemento. O mercúrio, de elevada densidade (13,5 g/cm3), cristaliza em octaedros ou em cristais aciculares a temperaturas inferiores a –38,9ºC e dá origem a vapores extremamente tóxicos a temperaturas acima dos 20ºC.

O mercúrio ocorre na crosta terrestre com raridade e encontra-se em geral nas zonas de redução dos jazigos de cinábrio e perto de vulcões. Como exemplo de alguns jazigos clássicos temos Moschellandsberg, na Áustria, Monte Amiata, na Itália e Almaden, na Espanha - estes dois últimos depósitos são os responsáveis por 50% da produção mundial de mercúrio, que é extraído do cinábrio através do aquecimento do mineral e posterior condensação dos vapores resultantes.

Sabe-se que o mercúrio era conhecido dos Chineses e dos Hindus da Antiguidade, tendo algumas amostras sido recolhidas em túmulos egípcios datados de 1500 AC. Este metal de transição recebeu o seu nome em honra do planeta Mercúrio, o mensageiro dos deuses, e o seu símbolo químico, Hg, deriva da sua designação latina, "hydragyum": prata liquida. Um dos usos correntes do mercúrio era o de este fazer parte do calamelo, um emplastro que supostamente curava as doenças venéreas tais como a sífilis.

Em 1554, um alquimista alemão descobriu que os metais preciosos, como o ouro e a prata, formavam misturas intimas com o mercúrio, embora o processo fosse facilmente reversível. Logo no ano a seguir à sua descoberta, o processo foi usado pelos espanhóis para processar todo o minério de prata do Novo Mundo, após ter sido melhorado por Bartolomé de Medina.

Durante 350 anos, o minério argentífero foi reduzido a pó e combinado com mercúrio, água, sal e barro, misturado durante um dia e deixado a repousar durante dois dias. Todo este processo era então repetido durante cerca de 20 dias, havendo adição de mercúrio à medida das necessidades. Após a remoção da água, do sal e do barro, a amálgama de mercúrio e de prata era colocada em cadinhos e aquecida, para que o mercúrio se evaporasse e ficasse apenas a prata, que voltava ao fogo para posterior refinação. Este método só foi ultrapassado no final do século XIX, com a utilização de cianeto na extracção da prata mineral.

Com a inovação de Medina, os sulfitos de minério puderam ser tratados, o que levou a um aumento de recolha de prata pura, aumento esse que chegou a ser 7 vezes mais a quantidade obtida pelos processos antigos. Assim, os recursos argentíferos - que estavam quase esgotados desde 1550 - foram utilizados por mais 3 séculos. Tal conduziu a um incremento do uso do mercúrio e do sal, sal que poderia atingir cerca de 20% do peso total do minério a ser tratado, levando à abertura de novas minas de mercúrio e de sal gema.

A importância do mercúrio era tal que a Coroa espanhola tornou a sua exploração um monopólio real, tanto na sua mina de Almadem - explorada desde o tempo dos romanos - como na mina de Huancavelica, no Peru.


Mercúrio em naufrágios

O primeiro registo arqueológico que se conhece, relativo a mercúrio em naufrágios, ocorre em Padre Island, local onde se perderam 3 navios espanhóis, em 1554. A escavação de um navio, também ele espanhol, da armada de 1559, comandada por Luna, em Emanuel Point, na Florida levou à descoberta de mercúrio destinado a refinação de ouro.

Já no século XVIII, vamos mais uma vez encontrar o mercúrio, que fazia parte do carregamento dos galeões espanhóis Nuestra Señora de Guadalupe e Conde de Tolosá, naufragados em 1724 na baía de Samana, no que é hoje a República Dominicana. A carga de mercúrio totalizava cerca de 400 toneladas e era destinada às fundições do Novo Mundo. Os galeões, com destino em Vera Cruz, México, foram atingidos por uma tempestade a 24 de Agosto de 1724, e afundaram-se, com toda a carga e cerca de 650 passageiros. Em 1976, Tracy Bowden localizou os restos do Guadalupe e as 400 toneladas de mercúrio, que foram totalmente recolhidas por meio artesanais.

Foi também encontrado mercúrio no local do naufrágio do San Pedro de Alcantara, em Peniche, um navio espanhol naufragado em 1786. O metal foi também recuperado nos naufrágios do Lewis, afundado em Duxbury Reef, e no do Winfield Scott, perdido na costa norte de Anacapa Island, ambos na segunda metade do século XIX.

publicado por Alexandre Monteiro

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