quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011




Um bom exemplo da ingenuidade humana na manufactura de munições com maior poder de devastação é a criação de projécteis enramados, geralmente dois corpos esféricos ligados entre si por fio de cobre em espiral que, ao se desdobrar em pleno voo balístico, criaria um efeito gravitacional que imprimiria à munição uma maior precisão e letalidade.

Em Angra D, encontrou-se um exemplar deste género, tanto mais curioso, porque extremamente raro: trata-se de um angelote para mosquete, uma esfera divida em dois hemisférios enramados entre si por dois segmentos de fio de cobre entrelaçado, articulados entre si.

Até agora, e compulsada a bibliografia disponível, apenas conseguimos encontrar um projéctil semelhante proveniente de contexto arqueológico, o recuperado no galeão espanhol Nuestra Señora de la Pura Y Limpia Concepción, naufragado em 1724 nas costas da actual República Dominicana, com um diâmetro de 23 mm, existindo vários outros, mais comuns em naufrágios do mesmo período.

Identificado este projéctil como parte de uma carga de artilharia anti-pessoal, tentemos então identificar as armas pessoais existentes a bordo a partir dos calibres encontrados em Angra D, uma tarefa que esbarra na falta de padronização encontrada em calibres desta época, variável de país para país, de década para década e até de oficina de armeiro para oficina de armeiro.

Dos mais antigos que se conhecem em meio marítimo, os projécteis do navio genovês de Villefranche estavam disseminados por toda a mancha do naufrágio e tinham diâmetros que iam de 10 a 90 mm, existindo lotes de 10 a 20 mm, 25mm, 35 mm, 45 mm, 55 mm, 65, 70, 80 e 90.

Num naufrágio não identificado, ocorrido ao largo de Portimão e datado dos inícios do século XVII, foram registadas algumas centenas de projécteis semelhantes - um de pistola com 12 mm de diâmetro, outros 200 de pistola com 14 mm, 10 com 18 mm e 350 com 20 mm, bem como cerca de 200 meios projécteis de metralha , com 20 mm de diâmetro, estando algumas ainda in situ no interior das bocas de fogo submersas.

Do local do naufrágio do galeão português São Bento, de meados do século XVI, surgiram vários projécteis em chumbo, em 2 tamanhos básicos, 35 e 50 mm. Todos apresentavam um núcleo quadrado, em ferro, à volta do qual se moldou o chumbo derretido. Do mesmo período, e do local do naufrágio de um galeão igualmente português, naufragado nas Seychelles, registaram-se 32 projécteis, todos de chumbo, alguns deles com núcleo de ferro, em dois tamanhos, 47 e 65 mm.

Do Gran Grifón, um navio da Invencível Armada de 1588, foram recolhidos 427 projécteis de 20 mm (mosquete), 1673 de arcabuz com 13 mm e três de chumbo miúdo com 3 mm de diâmetro.

Os projécteis encontrados num navio mercante inglês afundado em meados do século XVII foram atribuídos pelos arqueólogos que os estudaram a 4 armas diferentes: os de 31 mm a bacamartes; os de 17 mm a mosquete, os 16 mm a clavinas ou carabinas e os compreendidos entre 10 a 13 mm a pistolas. Do naufrágio da fragata portuguesa Santo António de Tanna foram recuperados mais de um milhar de projécteis para mosquete, com diâmetros que variam entre os 16 e os 20.5 mm (a grande maioria tinha entre 17.5 mm e 19 mm) bem como cerca de 400, de pistola, encontrados juntos - tinham entre 11 e 15.5 mm de diâmetro.

Revistos os projécteis provenientes de contextos com a mesma cronologia de Angra D, importa tratar estatisticamente os diâmetros, pelo que se fez uma distribuição logarítmica dos mesmos.

CONCLUSÕES

Analisados os paralelos arqueológicos e tratados os dados estatisticamente, verifica-se que a distribuição dos calibres se faz por duas séries, a que correspondem duas grandes classes de calibre:

- uma primeira relativa à escumilha;

- uma segunda com um diâmetro médio de 20 mm, que poderia pertencer quer a arcabuzes (calibres de 17,8 a 20,3 mm), quer a mosquetes (calibres de 20,5 a 23,0 mm)

Em Angra D não se verificou a existência de projécteis com calibres correspondentes à utilização a bordo de pistolas ou clavinas.

publicado por Alexandre Monteiro

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